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                                                             CRENÇA, FÉ e RELIGIÃO
 
Autor: Ludwig Krippahl
Fonte: Diário Ateísta

Realçes de expressão: Carlos Alberto de Paula
Muitas vezes, quando escrevo sobre isto, noto que estes termos causam alguma confusão. Não desejo obrigar ninguém a usar estas palavras como eu as uso. Contudo, eu desejaria esclarecer o que quero dizer com elas e salientar diferenças que me parecem importantes.
1 - Uma crença é a aceitação de uma ideia. Se a ideia for uma proposição acerca dos fatos, então crer é considerar essa ideia como verdadeira, correspondendo à realidade. Se a ideia for um juízo de valor, crer será adotá-lo. Se for um ideal, será partilhar desse ideal. E assim por diante.
Todos nós temos crenças.
Não se pode saber algo sem acreditar que é verdade, não se pode preferir algo sem acreditar que é melhor e não se pode almejar algo sem acreditar que vale a pena.
Assim, quando critico crenças, procuro explicar porque as rejeito e talvez persuadir alguém a rejeitá-las também. Se são crenças acerca dos fatos, posso apontar que não se justifica concluir que são verdade; e se são acerca de valores, posso apontar inconsistências com outros valores. Entretanto, como crer é uma atitude pessoal, a discussão se estabelece sempre no princípio de que “cada um decidirá por si próprio em que há de acreditar e mais ninguém tem nada com isso”.
2 – “A é uma ‘meta-crença’ ”, como diz Dennett. Crenças acerca dos fatos carecem de uma justificação objetiva. Não podemos justificar acreditar que algo é verdade só porque queremos ou nos dá recurso.
Mas a , para quem a tem, permite ignorar este requisito.
Quem tem fé, confia que aquelas crenças que a sua abrange estão automaticamente justificadas. é crer na legitimidade dessas crenças. Sendo também uma atitude pessoal, fica igualmente ao critério de cada um decidir em que há de ter ou se há de ter alguma. Porém, como a , apenas, dá a sensação de justificação a quem a tem e nunca se consegue justificar a quem não a tenha; não explica porque se há de ter numas crenças e não noutras, não há, pois, muito a discutir acerca disto a não ser apontar estes defeitos.
3 - Uma religião é algo diferente porque é uma construção social e não uma atitude pessoal.
Não é, apenas, a opinião de uma pessoa ou uma opinião partilhada por muitos. Uma religião é uma organização com uma classe profissional que alega saber mais que os outros acerca dos deuses, que afirma os seus dogmas como verdade e não como mera crença e que goza de benefícios, prestígio e poder injustificados.
Injustificados, porque se apóia em fantasias disfarçadas de verdades.
Não há evidências que o Joseph Smith tenha traduzido placas de ouro que Deus lhe emprestou, nem que Maomé tenha falado com Deus, nem que a Terra tenha sido criada em seis dias ou que Deus se tenha disfarçado de carpinteiro e morrido crucificado para perdoar pecados que não cometemos.
Considero má ideia criar influentes instituições inspiradas em teses sem fundamentos como estas.
O problema não é a crença ou a que fazem parte da liberdade de crer e pensar. Os defeitos que tenham algumas crenças ou a devem ser mitigados de forma a respeitar esta liberdade. Podemos explicar que a astrologia é enganosa, que as medicinas alternativas não funcionam e que os OVNI’s não são pilotados por ETs. E se, no fim disto tudo, alguém ainda quiser acreditar nessas coisas, paciência! Isso é lá consigo.
Porém, as RELIGIÕES afetam terceiros e temos de decidir o que permitimos a essas organizações: se queremos crucifixos nas escolas e aulas de religião no ensino público e se aceitamos as objeções à educação sexual e às lojas abertas aos domingos; se permitimos que ganhem dinheiro com dízimos ou na venda de milagres e paraísos, se investimos missas e peregrinações aos santuários de aparições e assim por diante.
Neste debate público, no qual a democracia se assenta, somos responsáveis por distinguir aquilo que é crença subjetiva daquilo que é legítimo considerar fato e igualmente válido para TODOS. Não vamos inventar dados acerca da saúde, do desemprego ou da segurança rodoviária apenas pela fé. E, ao contrário do que as religiões defendem, a , também, não serve para inventar fatos acerca da vida depois da morte, dos deuses e dos milagres. Por isso, as religiões participam neste debate de uma forma intrinsecamente desonesta ao insistir serem realmente fatos os dogmas que não passam de mera crença.
Esta diferença é importante.
Quando critico crenças e , esclareço a minha posição consciente de que não virá mal nenhum, se discordarem de mim e não chegarmos à conclusão alguma.
Mas, quando critico religiões, participo num processo coletivo de decisão, que é prejudicial deixar em suspenso, e denuncio como ilegítima a alegada autoridade dos membros destas denominações.
Quando uma pessoa morre por recusar uma transfusão de sangue ou vive um casamento miserável porque não se consegue divorciar, parte da culpa é de quem tomar tão más decisões próprias. Porém, outra parte da culpa é dos que lhe dizem saber, como fato, que “há um deus que castiga quem se divorciar, receber transfusões ou duvidar de fábulas”.
Não só lhes falta legitimidade para afirmar que sabem tais coisas – sabem tanto disso como qualquer um de nós – como o mais provável é ser tudo mentira, que isso não é coisa que seja fácil acertar à sorte.

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O Estado laico e a reforma do Código Eleitoral
Elaborado em 08/2011.


Sem a adoção de normas de salvaguarda do laicismo estatal, desde o processo eleitoral, as religiões continuarão a dar o tom de campanhas eleitorais, de decisões políticas, da ação legislativa.
Resumo: Este texto reflete sobre o conceito de Estado laico e o regramento constitucional das relações entre o Estado brasileiro e as religiões. Enfocando o poder de fato das religiões na política, notadamente no Poder Legislativo e desde o processo eleitoral, em que se introduzem temas religiosos a fim de interferir no resultado das eleições, é de rigor que a reforma do Código Eleitoral apresente medidas de efetividade do Estado laico.
Résumé: Ce texte réflechit sur le concept d’État laïc et sur le règlement constitutionnel des rapports entre l’État brésilien et les religions. En focalisant le pouvoir de fait des religions sur la politique, notamment sur le Pouvoir Législatif et dès le processus electoral, dans lequel des thèmes religieux sont introduits dans le but d’interférir sur le résultat des elections, c’est fort nécessaire que la réforme du Code Electoral présente mesures d’effectivité de l’État laïc.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Organização do Estado. Estado e igreja. Política e religião. Direito Eleitoral. Reforma do Código Eleitoral.
Sumário: 1. Introdução. Relações entre o Estado e as religiões. 3. Estado laico brasileiro e pluralismo. 4. O poder de fato das religiões e a crise do Estado laico. 5. A efetividade do Estado laico. 6. Conclusões.


1. Introdução
Além da liberdade de crença e descrença, a Constituição da República proíbe ao Estado estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança (artigo 19, inciso I). A leitura do dispositivo leva o cidadão a supor que tem direito a legislação, governo e organização social livres de ingerência religiosa: a um Estado laico. Entretanto, esse mesmo cidadão depara-se com notícias referindo-se à "bancada evangélica" do Parlamento ou de suas Casas, bem como à influência da fé que confessam algumas autoridades sobre o exercício de suas funções.
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Sabendo que às normas da Constituição deve ser dada eficácia máxima, pergunta-se: para onde vai o direito ao Estado laico, num cenário político recortado pelas religiões? Há algo que possa ser feito na reforma política, em especial, na reforma do Código Eleitoral, sem agredir direitos fundamentais?


2. Relações entre o Estado e as religiões
Segundo José Afonso da Silva (2003, p. 249), quanto à relação entre o Estado e as confissões religiosas, há três sistemas: a confusão, na qual o Estado se confunde com determinada religião, como o Vaticano; a união, em que o Estado e a Igreja mantêm relações jurídicas, como se deu no Brasil Império; a separação. E, quanto à separação, identificam-se a separação rígida (estado neutro e estado ateu) e a separação atenuada (RAMOS, 1987, p. 238), em que "o Estado emite um julgamento positivo sobre a religião em geral, embora predominem os objetivos laicos, legalmente estabelecidos, sobre os objetivos religiosos e não haja opção por determinada seita. Essa valoração positiva da crença é sentida em disposições, conquanto reduzidas, que estimulam e favorecem a disseminação das práticas religiosas, mesmo que não envolvam subvenção."
Portanto, a liberdade de religião é pressuposto do Estado laico, que se mantém neutro quanto aos cultos (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2003, p. 108) e admite e respeita todas as vocações religiosas (SILVA, 2003, p. 250), inclusive o agnosticismo e o ateísmo (FERREIRA, 1998, p. 103; MORAES, 2002, p. 127), sendo que o descrente pode pedir que se tutele juridicamente tal direito (PONTES DE MIRANDA, 1971, t. V, p. 119).
Elival da Silva Ramos averba:
"Dois princípios básicos têm sido apontados como as vigas-mestras das cláusulas de religião: o voluntarismo (a crença deverá ser livre, não coagida) e o separatismo (nem o governo nem a religião deveriam envolver-se no trabalho um do outro)."
Mas, qual é o elemento através do qual essa separação se manifesta, que transcende a mera liberdade de culto?
A pedra de toque do Estado laico é o direito laico, quanto às fontes, ao conteúdo e aos órgãos competentes para o desempenho das funções estatais. O direito é a manifestação mais alta do poder de um Estado; num Estado laico, todo poder emana da vontade do ser humano, e não da idéia que se tenha sobre a vontade dos deuses ou dos sacerdotes. Se o poder emana do ser humano, e, nas democracias, do povo, o direito do Estado também dele emana e em seu nome há de ser exercido.
Destarte, não bastam a garantia da liberdade de culto e a inexistência de relações diretas entre as esferas governamental e religiosa, para definir um Estado como laico; é imperioso que produza normas jurídicas leigas, que suas instituições funcionem e suas autoridades pratiquem atos com total independência em relação às crenças que se manifestem no país.


3. Estado laico brasileiro e pluralismo
A expressão "Estado laico", embora não cunhada em nenhuma norma constitucional, refere-se a um princípio da organização político-administrativa do Estado, previsto no inciso I do artigo 19 da Constituição da República, da proibição de relações de dependência ou de aliança do Poder Público com quaisquer religiões, bem como favorecimento ou prejuízo dos mesmos pelo Poder Público. Além disso, esse princípio compatibiliza-se com outros expressos na Carta Magna: do pluralismo (art. 1º, V), da isonomia como princípio fundamental (art. 3º, inc. IV); da legalidade (art. 5º, inc. II); da liberdade de consciência, de crença e de culto (art. 5º, VI); (art. 19, I); da imunidade de impostos para templos de qualquer culto (art. 150, VI, b).
O pluralismo, por si só, é incompossível com qualquer forma de união entre o Estado e qualquer religião, pois aquele significa a tolerância e o respeito à multiplicidade de consciências, de crenças, de convicções filosóficas, existenciais, políticas e éticas, em lugar de uma sociedade monista [01], em que as opções da maioria são impostas a todos, travestidas de "bem comum", "vontade do povo", "moral e bons costumes" e quejandos.
O Estado laico respeita e tolera, pois, a diversidade de crenças de toda sorte. Mais do que isso, atua em obediência necessária ao pluralismo de consciência, de crença, de culto ou de manifesta ausência de sentimento ou prática religiosa. Sobretudo, um Estado laico e pluralista conduz seus negócios, pratica seus atos e define o interesse público com total independência de qualquer religião, grupo ou sentimento religioso, ainda que francamente majoritário[02]
Ainda, no Estado laico, não há direito que não o produzido pelo Estado através de seus poderes constituídos. De princípios e normas religiosas, não decorrem direitos nem obrigações para ninguém.Logo, outras autoridades não existem que não as civis e militares, constituídas pelo Estado; não há que se falar em "autoridade religiosa". Tais premissas têm conseqüências capitais: ninguém, a pretexto de crença ou de liberdade de culto, poderá embaraçar a ação das pessoas ou do Estado, porque colidentes com os princípios ou com a moral religiosa, ainda que se trate de religião dominante numa dada coletividade. Ninguém será privado de direitos por quem quer que se diga dotado de autoridade religiosa, nem se eximirá do dever de respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana, a pretexto de crença religiosa.
A Constituição da Republica Federativa do Brasil determina que "ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5º, inc. II). A religião, assim como a tradição, a ninguém obriga.
Logo, no que tange à ação de um Estado que se pretenda laico, jamais o interesse público poderá ser aferido segundo sentimentos ou idéias religiosas, ainda que se trate de religião da grande maioria da população nele residente. O agente público, autoridade ou não, tem por dever atuar em estrita obediência aos princípios constitucionais da administração pública, mormente os da legalidade e da supremacia do interesse público. Num Estado laico, o interesse público é identificado exclusivamente segundo o seu Direito positivo, nunca segundo a moral religiosa, que não é e não pode ser Direito num Estado laico!
Da mesma maneira, os bens jurídicos tutelados pelas leis não poderão ser aferidos segundo valores religiosos. Vale dizer, não se há de buscar a noção de justiça segundo os princípios desta ou daquela religião. A evolução social alcançada sobretudo na segunda metade do século XX redefiniu a justiça, desvinculando-a da religião, da tradição, do preconceito; redefiniu, pois, as bases do Direito: antes, a moral tradicional, fortemente impregnada de elementos ditados pela religião; hoje, a ética, construção racional.
Num estado laico, portanto, a noção de justiça que serve de ponto de partida do Direito há de ser uma medida racional de equilíbrio de interesses, voltada à pacificação social, norteada pelo pluralismo e pelos direitos fundamentais da pessoa humana, como postos na Constituição da República. E equilíbrio de interesses e pacificação social, numa sociedade pluralista, são conceitos que afastam a preponderância das religiões, mormente em situações nas quais os dogmas religiosos confrontam direitos fundamentais.


4. O poder de fato das religiões e a crise do Estado laico
Tendo em vista que são identificáveis, por exemplo, uma "bancada evangélica" e um "lobby católico" no Congresso Nacional brasileiro, que há partidos cuja legenda inclui o adjetivo "cristão", e que frequentemente polêmicas religiosas invadem o cenário eleitoral, como falar-se em separação entre Estado e Igreja, em ausência de relações de dependência e sobretudo de aliança entre o Poder Público e as religiões? Não há proibição legal para a eleição de alguém tendo, como plataforma política, seu ativismo religioso ou sua filiação a determinada crença. Assim, a separação entre os negócios do Estado e os da fé ficam seriamente comprometidos, desestabilizando o laicismo do Estado. O Poder Legislativo é um dos Poderes da União; se não for o Legislativo laico, como falar-se em Estado laico?
Esses fatos, documentados pela imprensa brasileira, demonstram a crise do Estado laico, abalado por bancadas parlamentares religiosas, militância religiosa agressiva, que chega a ferir o exercício regular de direitos, magistrados que fazem questão de desprezar princípios fundamentais do Estado para decidirem com base em suas crenças. E, no cenário eleitoral, sempre surgem candidatos que introduzem teses religiosas na disputa pelos cargos eletivos, quer do Poder Executivo, quer do Legislativo.
Como exemplo, oportuno lembrar a instituição tardia do divórcio no Brasil, apenas em 1977! Durante décadas do século XX, a Igreja Católica, religião ainda majoritária no Brasil, teve forças para impedir a aprovação do divórcio (SIMÃO, 2011, p. 65). Diversas confissões religiosas combatem o direito ao aborto, ainda que a gravidez resulte de violência; combatem o uso dos preservativos e de quaisquer métodos anticoncepcionais; condenam a homossexualidade.


5. A efetividade do Estado laico
Entendemos que, num Estado laico, não se pode admitir a fundação de partidos políticos religiosos. Assim, por exemplo, eventual partido "cristão", "judeu" ou "católico", é incompatível com o Estado laico. Os partidos políticos fornecem os candidatos aos cargos eletivos dos Poderes Legislativo e Executivo, poderes esses que devem ser exercidos com absoluta independência das religiões. [03] A política, tal qual o direito, deve ser laica.
Não há, na legislação eleitoral, qualquer norma que proíba a constituição e o funcionamento de partidos políticos religiosos; bem assim, da utilização de doutrinas, dogmas, teses ou crenças religiosas no discurso político-eleitoral.
Porém, o inciso VIII do artigo 24 da Lei nº 9.504/97 veda, a partido e candidato, o recebimento direto ou indireto de doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de entidades religiosas.
No Estado laico brasileiro, não será contrária à Constituição a proibição, de lege ferenda, do uso de plataforma religiosa como plataforma político-partidária, tendo em vista o princípio insculpido no inciso I do artigo 19 da Constituição da República. Entretanto, a liberdade de manifestação de pensamento, de consciência e de crença pode ser levantada como óbice a semelhante proibição.
Assim, porém, não nos parece.
O inciso I do artigo 19 da Constituição da República, ao vedar ao Estado estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhe o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança veicula, à toda evidência, regra de proibição endereçada aos Três Poderes, à qual deve ser dada eficácia máxima. Sua dicção, sem dúvida, mais do que autorizar, determina que o legislador valha-se do mecanismo necessário à sua efetividade, diante dos fenômenos sóciopolíticos.
Não há, na Constituição, limitação quanto ao conteúdo da liberdade de manifestação de pensamento, nem da liberdade de culto, como regra geral. A exceção, expressa, consiste na vedação da manifestação do racismo e do preconceito [04]. Sabe-se também que tais manifestações devem respeitar outros direitos fundamentais, como honra, imagem, propriedade [05].
A vedação proposta, ademais, incidiria no processo eleitoral, ou seja, teria duração limitada no tempo e preservaria a plena liberdade de crença, de culto e de manifestação de pensamento de pessoas e entidades, nas demais searas da vida. Se "é natural que as entidades religiosas sejam proibidas de oferecer ajuda financeira a candidatos, pois isso poderia afetar o laicismo do estado" [06], como já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, a mesma premissa há de ser aplicada à constituição e ao funcionamento de partidos políticos religiosos, assim como à introdução de crenças religiosas na campanha eleitoral.
O membro de Poder deve exercer suas funções de acordo com os princípios fundantes do Estado; há, portanto, que respeitar e fazer valer o laicismo do Estado. Por essa razão, o processo de escolha de membros de Poder deve ser regido por um conjunto de normas que garantam a eficácia plena do secularismo na ação estatal, sob pena de relegar-se o princípio contido no inciso I do artigo 19 da Constituição da República à inefetividade manifesta.


6.Conclusões
Para efetividade do Estado laico, é de rigor que a legislação crie mecanismos que a propiciem; assim deve ser interpretado o inciso I do artigo 19 da Constituição da República. A reforma do Código Eleitoral apresenta-se como o foro adequado para o enfrentamento do problema e elaboração de proposições legislativas, como sugerido neste estudo. Sem a adoção de normas de salvaguarda do laicismo estatal, desde o processo eleitoral, as religiões continuarão a dar o tom de campanhas eleitorais, de decisões políticas, da ação legislativa, comprometendo, indefinidamente, a efetividade do Estado laico, determinada pela Constituição.


BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 7ª edição São Paulo: Saraiva, 2003.
BALTAZAR, Antônio Henrique Lindemberg. Considerações sobre o aborto: em busca de um consenso possível. 2009. 166 p. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional). Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília. 2009.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 2ª edição São Paulo: Saraiva, 1998.
FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9ª edição São Paulo: Saraiva, 1.998.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1.967. Tomo V. 2ª edição São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 4ª edição São Paulo: Atlas, 2002
RAMOS, Elival da Silva. Notas sobre a liberdade de religião no Brasil e nos Estados Unidos. Revista da Procuradoria Geral do Estado. São Paulo: Centro de Estudos, nº 27/28: 199-246, janeiro/dezembro 1.987.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª edição São Paulo, Malheiros, 2003.
SILVA NETO, Manoel Jorge. Proteção Constitucional à Liberdade Religiosa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
SIMÃO, José Fernando. A Emenda Constitucional nº 66: a revolução do século em matéria de Direito de Família. Revista do Advogado. São Paulo: AASP, nº 112: p. 64-78, julho/2011.


Notas
1.   Conforme SILVA, 2003, p. 143.
2.   Nesse sentido, BALTAZAR, 2009, p. 79.
3.   Conforme SILVA NETO, 2008, p. 121.
4.   Incisos XL e XLI do artigo 5º da Constituição da República.
5.   Exemplificamos: a "pichação" clandestina de muro ou parede ofende o direito de propriedade.
6.   AC - Ação Cautelar nº 352620 - Brasília / DF, Decisão Monocrática de 13/12/2010, Relator (a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 16/12/2010, Página 68-69


Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/20345/o-estado-laico-e-a-reforma-do-codigo-eleitoral#ixzz2Q0pDVC4E


De grão em grão - Willian Vieira e Rodrigo Martins
Revista Carta Capital - 22/04/2013 
 Na última sexta-feira 12, na sede da Primeira Igreja Batista de Campo Grande (MS), um exército de homens de terno e gravata com Bíblias a tiracolo se reuniu para um evento. Não era propriamente um culto. Entre os 350 pastores havia 25 parlamentares, como a vereadora Rose Modesto (PSDB), liderança da bancada evangélica local e autora da lei que obriga o poder público a apoiar eventos evangélicos. Herculano Borges (PSC), que aprovou projeto para proibir a instalação de máquinas de preservativos nas escolas, e Alceu Bueno (PSL), opositor do reconhecimento de uma associação de travestis como de utilidade pública, também vieram. Mas o nome mais aguardado era o do pastor Wilton Acosta. Ali para abrir o Encontro Estadual de Lideranças Evangélicas, o presidente do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp) prestigiava ao mesmo tempo a criação da Frente Parlamentar Evangélica da cidade. Daí os melhores pastores locais estarem dispostos em fila, como soldados da batalha maior: “Alinhar os evangélicos para disseminar valores cristãos por meio de leis políticas públicas”.
Atraso. A agenda moralista ganha força nas periferias, onde as igrejas são mais atuantes. 

O evento é sinal de um fenômeno bem maior. Enquanto os holofotes da sociedade civil e da imprensa focam na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, desde o mês passado presidida por um pastor, Marco Feliciano (PSC-SP), que já fez declarações homofóbicas, racistas e machistas, um processo mais silencioso se alastra pelo País. Nos moldes da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, com seus 73 parlamentares, o número de bancadas evangélicas em assembleias legislativas e câmaras municipais, em capitais e cidades do interior, tem disparado. Já há frentes parlamentares evangélicas (FPEs) organizadas em 15 estados brasileiros, a maioria criada desde 2012. São mais de cem os deputados estaduais evangélicos organizados. Já o número de FPEs nos municípios é difícil de calcular. “A expectativa é passar de 10 mil vereadores evangélicos”, garante Acosta.

Espécie de tutor do movimento, o pastor coordena um levantamento dos parlamentares ligados à causa em todo o Brasil. Prestes a entrar num voo para o Acre, ele afirma: “O objetivo é verticalizar a pauta parlamentar nacional, aprovando leis em todas as assembleias e câmaras. Todas”. Com oratória fluida e vertida em termos jurídicos, Acosta explica como deve instalar um braço da Associação de Parlamentares Evangélicos do Brasil (Apeb) em cada cidade. “Já temos 15 coordenações estaduais. Logo serão 28. Cada coordenador tem a missão de instalar uma unidade em toda cidade de seu estado. Hoje, quando detectamos um projeto contra nossos valores, contatamos o parlamentar para agir. Mas leva tempo. No futuro será automático.”

 A verticalização é levada a sério. Em 30 de novembro, Dia do Evangélico em Brasília, 700 líderes de 20 estados, boa parte parlamentares e juristas, se reuniram para decidir, com toda sua modéstia, os rumos do País. Representantes da Apeb e do Fenasp leram seus relatórios de atividades. Deputados federais da FPE do Congresso falaram de suas experiências. Daí emergiu a "agenda estratégica nacional", que deve pautar as ações de políticos evangélicos nos níveis estadual e municipal. Entre os pontos estão impedir os avanços nos códigos Penal e Civil, envolvendo aborto, posse de maconha, criminalização da homofobia e casamento gay. "Para trazer o nacional para o local, faremos mais encontros em todo o País", afirma o vereador Herculano Borges (PSC), primeiro-secretário da Apeb. "A ide ia é subsidiar os vereadores com fundamentos legais, para que ajam de forma local." Ou seja, lutar contra o "avanço" dos movimentos gays e feministas. "Quando barramos as propostas deles no Congresso, eles tentam implantá-las nas cidades e estados. Aí criam jurisprudência. Não vamos permitir isso."

O mesmo tem ocorrido no âmbito estadual. Ao liderar o movimento que criou, em 2011, a Frente Parlamentar Evangélica da Assembleia de São Paulo, o deputado Carlos Cezar (PSC) deixou claros os objetivos: ser contra a descriminalização da maconha, o casamento gay e o aborto. "Não somos bobos. Sabemos que são temas de competência do Congresso, mas o que falamos aqui repercute em Brasília. Afinal, os deputados federais e senadores se elegem com apoio de deputados estaduais e vereadores. A base tem direito de cobrar uma postura firme deles no Parlamento." Hoje, 15 dos 94 deputados paulistas integram o movimento evangélico.

Atuamente, há duas frentes na batalha dos evangélicos na política. Uma volta-se aos interesses institucionais e simbólicos. O objetivo é conseguir dividendos para as igrejas, como manter o status quo das leis de radiodifusão, arrebanhar pedaços de ruas para templos, não pagar IPTU e instituir leis que reconheçam a cultura evangélica e forcem a abertura dos cofres públicos a tais eventos, assim como conseguir maior espaço simbólico, como nomear praças e logradouros com símbolos religiosos e instituir feriados como o Dia do Evangélico. Exemplos abundam. O próprio Borges ajudou a aprovar um projeto que reconheceu a música gospel como manifestação cultural, o que abriu espaço para a prefeitura financiar a Quinta Gospel e a Marcha para Jesus. "Hoje conseguimos ajuda para contratar os músicos, montar a estrutura." Proposição do vereador João Oscar (PRP) autorizou a prefeitura de Belo Horizonte a vender uma rua para a expansão da igreja que frequenta. Em São Paulo, a Câmara aprovou em 2012, às vésperas da eleição, um projeto que permite à Igreja Mundial em Santo Amaro ocupar uma rua. Diz-se que a aprovação veio em troca do apoio a José Serra (PSDB). No Recife, foi aprovada a lei que institui a Semana da Cultura Evangélica, obrigando a Secretaria de Cultura a promover (e financiar) debates, "palestras em instituições de ensino" e "apresentações artísticas em praças públicas".

Proibir bares a menos de 300 metros de igrejas foi a proposta do vereador de Sorocaba Benedito Oleriano (PMN). Os fiéis precisavam "de paz para orar". O mesmo levou uma vara de marmelo à Câmara para defender o direito dos pais de bater nos filhos. Com o Livro dos Provérbios em mãos, sentenciou: "Não retires a disciplina da criança, porque, fustigando-a com a vara, nem por isso morrerá. Tu a fustigarás com a vara e livrarás sua alma do inferno". Enquanto isso, os evangélicos de Maringá conseguiram, via projeto de lei, transferir a data da Marcha para Jesus para coincidir com a Parada Gay, e a Câmara do Rio concedeu ao pastor Silas Malafaia a medalha Pedro Ernesto, dada a quem se destaca na sociedade.

Provas da ocupação do discurso e dos espaços públicos pela religião. Assim, era uma vez uma Praça Chico Mendes em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Homenagem ao ativista morto na Amazônia, o espaço foi convertido pela prefeita evangélica Aparecida Panisset em Praça da Bíblia. "Antes essa praça era relacionada a crimes e hoje manifesta a palavra de Deus", disse no evento. Igualmente simbólico, o Dia do Evangélico foi aprovado em dezenas de cidades. Mas o que mais preocupa os laicos é a frente da ação voltada para projetos de cunho moral, em prol de um ideário conservador de nação, família e vida. Não foi apenas Carlos Apolinário (DEM) a propor a instituição do Dia do Orgulho Hétero e o banheiro gay em São Paulo. Em Ilhéus (BA), o vereador Alzimário Belmonte (PP) tentou transformar em lei a obrigatoriedade do Pai-Nosso antes das aulas. Projetos mais esdrúxulos pipocam País afora.

Para tal, os evangélicos dependem dos números. E têm conseguido. Há casos emblemáticos, como a pequena São Leopoldo (RS), onde seis dos 13 vereadores São evangélicos (PRB, PSB, PP. PT, PSL e PSDB), um crescimento de 100% em relação à última legislatura. Em cidades maiores, o fenômeno é o mesmo. No Rio eram quatro evangélicos na última gestão: hoje são sete, aumento de 75%. Em São Paulo, o número subiu de oito para 11. Em Aracaju eram dois, agora são quatro. No Recife, eram seis, e agora são 11. Em Curitiba, a bancada surgiu em 2013 com 11 vereadores: quase um terço da casa. A regra é clara: sem maioria para aprovar seus projetos, os evangélicos formam alianças e usam a barganha política para impedir propostas progressistas.

Embalado pelo crescimento da bancada, o vereador sindicalista evangélico Luiz Eustáquio (PT) criou uma FPE na Câmara do Recife. Entre os temas discutidos estão formas de impedir o aborto, a legalização da maconha e o casamento gay, explica o vereador, recém-chegado de um encontro da FPE no Congresso, em Brasília. "Fui lá me inspirar e aproveitei para participar do culto na Câmara." Mas temas do Congresso cabem no âmbito municipal? "E importante replicar os temas aqui para fortalecer o debate nacional." Um exemplo é a Lei do Nascituro. Um projeto tramita na Câmara para estabelecer os direitos dos embriões. "Talvez caiba propor algo municipal." O mesmo Dia do Nascituro foi aprovado em dezenas de cidades, o que leva o poder público a investir em palestras e seminários que ataquem a legalização do aborto.

"A gente tem observado a replicação desses projetos no âmbito do Congresso também nos estados e municípios", diz Kauara Rodrigues, assessora parlamentar do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), ONG que monitora no Congresso Nacional projetos relativos aos direitos das mulheres. Das 33 proposições em tramitação hoje, 30 trazem retrocesso, a maioria de autoria da bancada evangélica, afirma. O mesmo ocorre em , âmbito municipal. "O avanço dos evangélicos tornou a luta muito mais desfavorável." Pois, além de propor leis que impedem o avanço da legislação reprodutiva, as FPEs têm centrado fogo na fonte de recursos das ONGs. Dias atrás, deputados requereram uma CPI para "investigar a existência de interesses e financiamentos internacionais para promover a legalização do aborto no Brasil". Exigir transparência é parte da prática democrática.
"O problema é quando essas ações servem não para punir um grupo, mas para negar políticas públicas para segmentos que legitimamente, por razões históricas, se sentem excluídos", alerta Marilene de Paula, coordenadora de direitos humanos da Fundação Heinrich Bõll.

Para mulheres, gays e adeptos de religiões de matrizes africanas, mais grave do que o avanço sobre o poder público é o impacto social na vida dessas minorias. "Há uma capilaridade grande dessas igrejas nas periferias" diz Rodrigues. "A pauta é sempre conservadora. A mulher vai ao culto e ouve o pastor pregar contra a camisinha, os homossexuais, dizer que lugar de mulher é satisfazendo o marido." C) Censo reitera o crescimento do pentecostalismo na base da pirâmide social: 64% do grupo ganha até um salário mínimo e 42% tem ensino fundamental incompleto. "É nessas periferias desassistidas que essas igrejas acabam servindo como fronteira moral, como fortaleza contra o tráfico de drogas e a violência", diz o sociólogo Ricardo Mariano, da PUC-RS. "Ao servir de suporte comunitário, ganham espaço para implantar sua agenda moralizante."

Os símbolos do retrocesso em questões de liberdade sexual ligados à religião pululam não apenas nas igrejas como na internet. Há uma miríade de blogs a monitorar projetos de lei e ações do Executivo e vídeos gravados direto do púlpito, como o famoso "Como ser submissa a uma pessoa omissa?" Um exemplo mais radical chegou aos ouvidos de Rodrigues. A jovem Noêmia chegou em casa após ir ao bar com os amigos. O irmão achou que ela estava possuída pelo demônio e chamou três amigos evangélicos da rua, que oraram, arrancaram seus piercings e lhe deram uma surra de Bíblia. A garota procurou o CFEMEA, que encaminhou o caso à Secretaria de Direitos Humanos. Outra cena chocante aconteceu em Olinda. Centenas de evangélicos com faixas protestaram em frente a um terreiro de umbanda. Testemunhas garantem que houve depredação e ameaças de morte.

Mais do que ninguém, os homossexuais têm fatia mais farta desse retrocesso. Não apenas as FPEs travam luta cerrada contra a criminalização da homofobia e associam homossexualismo à pedofilia como o deputado tucano João Campos, presidente da frente evangélica no Congresso, propôs que a resolução do Conselho Federal de Psicologia, que não permite "cura" aos gays, fosse revogada. "Temos de aprovar leis como no México, onde quem exerce função religiosa fica impedido de exercer função governa mental", defende Toni Reis, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. "Assistimos hoje a um aumento visível da homofobia no Brasil, o que tem uma ligação direta com essa onda de incentivo ao ódio e à intolerância." Exemplos da pressão evangélica, diz, foram a suspensão do material educativo do projeto Escola sem Homofobia (o "kit gay") e o veto presidencial à campanha de prevenção da Aids a jovens gays no carnaval.
o governo, o assunto é tabu. Não apenas a presidenta Dilma Rousseff tem se mantido silente diante da polêmica a envolver Marco Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias como a Secretaria de Políticas para as Mulheres não se pronuncia sobre o tema. A titular da pasta, Eleonora Menicucci, é abertamente a favor do aborto. Sua indicação foi vista como afronta pelos evangélicos. Mas seu silêncio incomoda ainda mais as feministas. A Secretaria de Diretos Humanos tampouco respondeu a questões sobre o tema. O silêncio é total.

Mas qual é, afinal, o poder de fato dos parlamentares evangélicos sobre o futuro moral do País? "Não dá para subestimar o voto evangélico nem a organização política das igrejas", diz Ari Oro, professor de antropologia da religião da UFRGS e autor de Os Votos de Deus: Evangélicos, política e eleições no Brasil. "Se esse crescimento vai continuar dependerá da organização das próprias igrejas." O professor cita o caso da Igreja Universal do Reino de Deus, tratado por outras como modelo de gestão política. Sua cúpula dirigente decide, verticalmente, quais os candidatos em cada eleição e quantos, para evitar a repartição de votos. "Já ouvi pastores de igrejas menores dizendo que é preciso adotar o modelo da Universal." Se outras igrejas se organizarem de modo a garantir a transformação dos fiéis em candidatos eleitos, a tendência é uma participação cada vez maior de evangélicos na política.

Igreja com a maior representação evangélica no Congresso (24 deputados), a Assembleia de Deus preparou, em 2010, uma ofensiva para as eleições municipais. Queriam eleger um vereador em cada um dos 5.570 municípios. "Infelizmente, não atingimos a meta. Mas 60% das cidades têm ao menos um vereador ligado à nossa igreja", afirma o pastor Lélis Washington Marinhos, presidente do conselho político da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Para o Censo, há 12 milhões de fiéis da Assembleia, igreja que mais cresceu nos últimos dez anos: 4 milhões de novos adeptos. "Mas somos entre 18 milhões e 20 milhões. Por isso entendemos que estamos sub-representados. Deveríamos ter ao menos 50 deputados federais/" Isso porque o engajamento político dos assembleianos começou há menos de 20 anos. A igreja existe desde 1910. "Os pastores eram refratários à política, mas as igrejas dependem do poder público para ter alvarás, licenças para obras, verbas para tocar projetos sociais", lista. "Sem falar dos projetos que ameaçam a família."

Não que essa guinada moral seja prerrogativa exclusiva dos evangélicos. "Eles vocalizam esse conservadorismo que acaba pulverizado na sociedade e no Congresso", pondera a professora Maria das Dores Machado, da UFRJ. Oro, da UFRGS, concorda. "Desde a Constituinte de 1988, a Igreja Católica tentou formar um bloco parecido, nos mesmos moldes." A Renovação Carismática tem eleito políticos todos os anos, ainda que menos do que a Universal, por exemplo. "Sempre que a discussão tem base moral, se envolve a vida, a família e os costumes, evangélicos e católicos se unem." Exemplo é a criação das chamadas "frentes da família", com católicos e evangélicos lado a lado.

Mas a política dita laica também tem responsabilidade. "A esquerda, desde 2002, fez alianças fortes com os neo-pentecostais, misturando grupos feministas e pró-homossexuais com segmentos religiosos ultraconservadores, o cúmulo do pragmatismo", diz Mariano. Um cenário difícil de mudar. De 2000 a 2010, a população evangélica arrebanhou 16,1 milhões de fiéis, somando 42,3 milhões de brasileiros. Uma multidão encabeçada por dezenas de igrejas, cada uma com seus canais de rádio e tevê. Só a Universal, estima-se, é dona de 20 canais de tevê e 40 emissoras de rádio.

"Não por acaso, parlamentares temem irritar esses grupos e provocar um boicote ou reação desse poderio midiático", avalia Mariano. Assim, a influência evangélica na política se dá não apenas pelo confronto direto nas sessões, mas por meio de uma espécie de tática de não agressão. "Daí você entender por que RR Soares e José Wellington têm sempre os tapetes vermelhos dos executivos de estados e municípios e mesmo do Planalto. Isso cristalizou a legitimação do ativismo político religioso no Brasil."
ma das últimas vitórias do segmento foi o projeto de lei que prevê o pagamento de um salário por 18 anos a mulheres estupradas, batizado de "Bolsa Estupro". Pelo projeto, psicólogos cristãos atenderiam as vítimas para convencê-las "sobre a importância da vida". Tudo pago pelo Estado. Pensando nisso, a procuradora do município de São Paulo, Simone Andréa Barcelos Coutinho, defende uma reforma no código eleitoral que acabe com as bancadas religiosas. "Se tivéssemos uma Constituinte hoje, o texto dela resultante seria certamente muito mais conservador, em nada parecido com a Constituição Cidadã que hoje temos e com a qual o STF nos tem socorrido."

Na avaliação do pastor Ricardo Gondim, líder da Igreja Betesda, a corrida política dos evangélicos é reflexo da disputa entre as igrejas no mercado religioso. "Elas querem ter cada vez mais fiéis e mais representantes políticos. Mas parecem esquecer que a expansão do protestantismo só foi possível com a conquista do Estado laico." Acusado pelo mainstream evangélico de ser "herege" por defender que temas como o casamento gay e o aborto devem ser vistos como questão de direitos civis e saúde pública, respectivamente, Gondim teme que o radicalismo evangélico ameace a liberdade religiosa no País. "Assim como não quero um burocrata de Brasília dizendo o que posso dizer em meu púlpito, o Legislativo e o Judiciário não podem tomar uma decisão para agradar a este ou àquele grupo religioso. Queremos ter uma teocracia?" Mas há limites à ascensão conservadora. Primeiro, porque os evangélicos mais radicais tendem a não emplacar candidatos em eleições majoritárias, visto a rejeição da sociedade laica a pautas morais extremas. Segundo, porque o voto dos evangélicos já não está mais confinado na direita como outrora. "Hoje, os votos dos evangélicos estão distribuídos em diversos partidos, algo que tende a prosseguir", diz o sociólogo André Ricardo Souza, da UFS-Car. "Com maior acesso a programas sociais, renda e educação, a autonomia dessas pessoas tende a aumentar. Por isso, não vejo um futuro teocrático fundamentalista evangélico."

E Jesus a salvou

Única vereadora da oposição em Curitiba, Noemi Rocha acaba de criar uma bancada evangélica com quase um terço da Câmara

Líder da oposição na Câmara de Curitiba, Noêmia Rocha (PMDB) costuma brincar que é "líder de si mesma". Todos os outros 37 vereadores, a despeito do partido pelo qual tenham sido eleitos, decidiram apoiar o prefeito Gustavo Fruet (PDT) ou se declarar "independentes". Mesmo assim, a única oposicionista da Casa não se sente isolada. Integrante da igreja Assembleia de Deus e filha de pastor, ela formou, no início do ano, a primeira bancada evangélica da cidade, com 11 vereadores, quase um terço do total.

Na seqüência, coletou 32 assinaturas para constituir a Frente Parlamentar em Defesa da Família. "Promovemos seminários para discutir temas como aborto, pedofilia, drogas e outros temas que ameaçam a família brasileira", afirma. Em seu segundo mandato, a vereadora diz que passou a infância ouvindo os pastores de sua igreja dizendo que política e religião não se misturam. Pensa diferente.

"A igreja espiritual não precisa da política para nada. Mas a instituição, sim. Hoje, Curitiba tem 56 casas de recuperação de dependentes químicos mantidas por igrejas. Mas nem sempre elas têm estrutura adequada, profissionais de saúde, recursos para se manter. Sofrem com multas, fiscalizações e ameaças de fechamento. Mas o que fazer? Deixar os viciados na rua?"

Por ora engajada no projeto de criar um centro especializado para a recuperação de gestantes viciadas em crack, financiado com recursos da União, Noêmia também se preocupa com a situação dos templos religiosos de Curitiba. "Muitos precisam passar por reformas e os pastores não sabem como cumprir a legislação contra incêndios, como obter licença para as obras ou alvarás de funcionamento. Estamos aqui para ajudá-los."

Postado por conteudo livre às 20:30 


Dez palavras sobre laicidade*

Obrigada pelo convite para estar no X Seminário LGBT do Congresso Nacional, em particular ao deputado Jean Wyllys pelo convite. Em dez minutos, desejo explorar a tensão teórica e prática da laicidade em movimento. Farei cinco afirmações sobre o que não é o Estado laico; e cinco afirmações do que é o Estado laico.
O que não é o Estado laico
1. O Estado laico não é um Estado ateu. O Estado laico não é nem católico, nem evangélico, nem espírita. Tampouco ateu. Ser ateu não é professar uma religião, mas assumir uma posição política e ideológica sobre o mundo e seus sentidos. O Estado laico não professa nenhuma verdade em matéria religiosa ou sobre o divino. Em termos simples, o Estado laico não tem religião, tampouco religiões no plural. Isso não significa que seja indiferente às crenças religiosas; apenas que não se rege pelos valores das crenças nem mesmo pela perseguição às crenças. É uma atitude respeitosa. Ao proteger a liberdade de crença e opinião, é o Estado laico quem garante a rica diversidade. Suas ações não se confundem com o de nenhuma comunidade religiosa em particular. Não há um posição atéia a ser proferida pelo Estado. Neutralidade é uma justa posição de respeito à diversidade.
2. O Estado laico não persegue as religiões. Ao contrário. É o Estado laico quem garante a todos nós – crentes no divino, crentes nos divinos ou simplesmente crentes no humano – a liberdade de pensamento, de expressão e de culto. Somos livres para expressar nossas crenças,  nossas dúvidas, nossas inquietações porque vivemos em um Estado laico. Não há esforço do Estado para perseguir as religiões, mas sim em proteger o direito à liberdade de expressão e crença. Ao rejeitarmos a teocracia de Estado, damos espaço para nossa rica diversidade. Erra quem imagina que o Estado laico persegue as religiões – a garantia da neutralidade religiosa em atos do Estado depende da laicidade. Não há perseguição, mas justa proteção.
3. O Estado laico não delega o cumprimento de seus deveres para as comunidades religiosas. Não importa o quanto somos indivíduos bem-intencionados. Nossa participação nas instituições básicas do Estado deve ser mediada pela laicidade do Estado. Há deveres que devem ser cumpridos pelo Estado, em particular aqueles relativos à prestação de serviços para a proteção dos direitos sociais. Comunidades terapêuticas de saúde mental devem ser administradas por funcionários do Estado: não importa a trajetória penal ou de uso de drogas de seus usuários; todos são igualmente cidadãos do Estado em busca de tratamento mental. Ensino religioso em escolas públicas deve ser oferecido por professores devidamente concursados pelo Estado, com conteúdo pré-definido pelo MEC. Não importa quais religiões são hegemônicas à sociedade brasileira: ensino religioso nas escolas públicas não é escola de educação religiosa, mas de humanismo religioso sem dogma. Os deveres do Estado devem ser cumpridos por seus representantes, não importa a boa intenção das comunidades religiosas em oferecer voluntários.
4. O Estado laico não é um Estado pluralmente teocrático. Proteger a liberdade religiosa não é o mesmo que garantir o livre trânsito das religiões nas instituições básicas do Estado. Um Estado laico deve ser um Estado neutro em matéria religiosa, muito embora proteja a multiplicidade de cultos e não-cultos. A presença das religiões na esfera pública é garantida pelo Estado, mas não se confunde com a colonização das religiões nos atos do Estado. Assim,não há espaço justo para sentenças judiciais baseadas em crenças cristãs: as crenças individuais de um juiz são suas crenças privadas; ao proferir uma decisão, o juiz deve se pautar no ordenamento laico do Estado que garante direitos. Médicos cristãos ou juízes cristãos combinam dois substantivos que provocam um curto-circuito à democracia: como indivíduos somos livres para nossas crenças (ser um indivíduo cristão); como médicos do SUS ou juízes somos simplesmente cumpridores dos deveres, mas sem qualificadores íntimos sobre nossas crenças. Um médico é sempre um médico que cuida das aflições e cumpre as regras da democracia.
5. O Estado laico não financia comunidades religiosas para atos de proselitismo religioso. O financiamento público importa para a garantia de direitos. Pensar o orçamento é cuidar da justiça social. As comunidades religiosas devem ser livres para proferir suas crenças,mas para tanto não devem contar com o financiamento, direto nem indireto, do Estado: devem contar com o financiamento privado de seus fiéis. O orçamento deve ter critérios públicos e universais para sua distribuição. Não importa que algumas das ações de comunidades religiosas se harmonizem às do Estado; o Estado é quem se submete aos princípios da laicidade, portanto,de neutralidade distributiva. Crentes e não crentes devem ter suas necessidades básicas protegidas com orçamento público. E necessidades não tem religião, elas são universais. E devem ser universalmente protegidas.
O que é o Estado laico
1. O Estado laico é quem nos garante a liberdade de pensamento. Sem a laicidade do Estado, viveríamos em uma teocracia. Engana-se quem pensa que seria uma teocracia no plural – não há espaço para todos no campo do dogmatismo religioso. Não existem teocracias. Sempre há opressão, quando há hegemonia de crença. E ela se confunde com outras formas de hegemonia – seja ela de renda, de força, de cor, de sexo. Seriam os homens brancos ricos e bem educados quem determinariam os rumos de nossas consciências. A laicidade protege nossa rica diversidade, isso significa que é esse dispositivo que garante que possamos acreditar, mudar de crença, voltar a crer, desistir de crer. E não só no divino, mas no humano. É a laicidade quem resiste às tentativas brutais de perseguição religiosa, de imposição de uma única crença como possível.
2. O Estado laico é quem nos protege da perseguição religiosa. Sim, é o Estado laico quem nos conforta de que um tempo passado – e, infelizmente, ainda vivido por outros povos – não será o nosso: não há perseguição religiosa em um Estado laico. A bela transformação do cenário religioso brasileiro nas últimas duas décadas – de um país majoritariamente católico para um país crescentemente evangélico – ocorreu porque não somos um Estado teocrático. Somos um Estado laico que protege a diversidade e a liberdade. Sem a laicidade, as novas gerações não poderiam se definir sob outras rubricas religiosas; seriam compulsoriamente o que seus governantes desejassem que fossem. Sem a laicidade, não haveria divórcio.
3. O Estado laico é quem nos protege do discurso do ódio. Ninguém é livre para expressar ódio, injúrias, violência ou agressão às minorias religiosas. Nem mesmo em nome da liberdade de crença, seja ela religiosa ou não. Os adoradores de Júpiter – se é que existe esse grupo de crentes – não podem sustentar suas crenças no ódio a outros grupos. Suas crenças, mesmo que religiosas, serão pautadas pelas regras da democracia e da igualdade. E, seriamente, contidos, se carregarem ódio, injúria ou violência. É o Estado laico quem nos fortalecerá para resistir a perversões como foi a perseguição nazista. Nenhum grupo, nem mesmo o mais minoritário, pode ser ameaçado em sua integridade pelas hegemonias religiosas. É a laicidade do Estado quem garante que nossas crenças, atos e posturas não serão objeto de ódio por outros grupos. É a laicidade que nos fortalece a resistir à homofobia como uma das formas mais perversas de perseguição pelo corpo – seja ela proferida em nome de crenças religiosas ou seculares. Um homófobo será silenciado, não importam as origens de suas crenças. Nossa expectativa é que seja silenciado porque respeite o pacto democrático; caso contrário será usada a força da laicidade contra ele.
4. O Estado laico é quem nos protege da hegemonia moral da maioria. Em matéria de crenças não há maioria: há sempre qualquer minoria com igual direito de representação, proteção e participação. Em matéria de crença privada não há plebiscito. Não importa se já vivemos em um país de maioria evangélica, ou se ainda somos um gigante país católico: os espíritas e budistas têm igual direito de presença e proselitismo na vida comum. Votamos por maioria, mas podemos crer como minoria. É  da menor minoria que o Estado laico cuida: o Censo IBGE nos apresenta em formato de números; a laicidade cuida de cada um de nós, em nossa singularidade existencial – a de crentes e não-crentes. É a laicidade que nos protegerá de tentativas perversas de estabelecimentos de leis, decretos e normas que garantam direitos de maioria em matéria religiosa. É a laicidade quem nos protegerá de tentativas escusas de usar a ciência para encobrir práticas homofóbicas, como é o projeto de lei de tratamento psicológico para os fora da norma heterossexual. Se há uma doença neste debate é a perversão da homofobia.
5. Por fim, o Estado laico é quem demarca a fronteira entre religiões e funcionamento do Estado. Essa é, talvez, a principal definição de laicidade, aquela dos livros jurídicos: laicidade é o que separa religiões do Estado. Mas é uma separação justa, saudável e do interesse de todos nós – crentes e não-crentes. É a laicidade que garante que possamos ser o que desejamos ser, que possamos crer no que quisermos crer, que possamos mudar de crenças, que podemos transitar sem medo de perseguição religiosa. Neste seminário sobre sexualidade e diversidade, é a laicidade quem nos conforta em saber que homofobia não se confunde com liberdade religiosa: o discurso do ódio é abjeto, imoral e discriminatório; que os fora da norma heterossexual poderão viver em regime de conjugalidade com quem desejarem, não importam os aplausos ou vaias de comunidades religiosas: poderão constituir família, adotar crianças e viver a plenitude da realização afetiva ou parental.
Resumo, então:
Laicidade não é ateísmo; laicidade não é perseguição; laicidade não é transferir para as igrejas as responsabilidades do Estado; laicidade não é teocracia no plural; laicidade não é dinheiro público para comunidades religiosas.
Laicidade é liberdade, igualdade, não-discriminação, rejeição ao discurso do ódio e respeito à diversidade.
Muito obrigada.
* Texto de autoria de Debora Diniz, apresentado no X Seminário LGBT do Congresso Nacional no dia 14 de maio de 2013.
Autora: Debora Diniz

EFETIVAR O ESTADO LAICO

Por Túlio Vianna


A Constituição estabeleceu um Estado no qual as liberdades de crença e culto são garantidas e a separação entre Estado e instituições religiosas é definida expressamente. Na prática, porém, a permissividade da política com a religião ainda é uma realidade a ser enfrentada.



O monoteísmo não é nada democrático. A crença em um deus único pressupõe a negação da existência do deus do vizinho. Pior: pressupõe que os mandamentos do seu deus são mais justos que os do deus do vizinho. E é natural que todos aqueles que se arroguem o direito de falar em nome deste deus único e todo-poderoso não primem muito pelo pluralismo. Quem ousaria contestar alguém que fala em nome de um deus onipotente, onipresente e onisciente? 



A história está repleta de casos de políticos que sustentaram seu poder em nome de Deus. A teoria do “Direito Divino dos Reis”, em voga no século XVII, deu a Luiz XIV a necessária fundamentação ideológica para tornar-se o maior monarca absolutista da França: “L`État c`est moi” (O Estado sou eu) é a frase que melhor sintetiza o poder do mandatário de Deus na Terra. 



No século seguinte, a mão de Deus não evitou que as cabeças de seus representantes na Terra rolassem e só então os ideais iluministas de separação entre direito e religião começaram a prevalecer. Nascia, assim, a concepção de um Estado laico que viria a nortear as democracias ocidentais até hoje.



No Brasil, durante todo o Império, o catolicismo continuou sendo a religião oficial, e as demais eram apenas toleradas (art.5º da Constituição de 1824). Como Estado confessional, o imperador antes de ser aclamado jurava manter aquela religião (art.103) e cabia a ele nomear os bispos (art.102, XIV). Somente com a proclamação da República, o Brasil se tornou um Estado laico, garantindo assim a separação entre Estado e religião (art.72, §3º a 7º da Constituição de 1891).



A atual Constituição brasileira de 1988 não deixa dúvidas quanto ao caráter laico de nosso Estado, garantindo expressamente a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa (art. 5, VI da CR) e estabelecendo claramente a separação entre Estado e religião (art.19, I, da CR). 

E “nunca antes na história deste país” esta separação entre direito e religião foi tão importante. Com a expansão das religiões neo-pentecostais nos últimos anos, o catolicismo, que sempre foi francamente majoritário no Brasil, começou a perder espaço e os brasileiros começaram a deparar com os problemas típicos do pluralismo religioso. 

Divergências de crenças de um povo 90% cristão

Pesquisa Datafolha de maio de 2007 mostrou que 64% dos brasileiros se declaram católicos, 17% evangélicos pentecostais ou neo-pentecostais, 5% protestantes não pentecostais, 3% espíritas kardecistas, 1% umbandistas, 3% outra religião e 7% sem religião.

Poderíamos simplificar estes números e afirmar que o Brasil é um país 90% cristão, mas, na verdade, estas religiões divergem sobre pontos significativos de suas doutrinas, a começar por católicos e protestantes. Para os protestantes, a Bíblia é a única fonte de revelação de Deus e eles tendem a interpretá-la em sentido mais literal. Já os católicos acreditam também na Sagrada Tradição, isto é, nos ensinamentos orais transmitidos pelos cristãos ao longo dos séculos, como complementares ao texto bíblico. Daí surgem diferenças importantes: católicos adoram os santos e Maria, mãe de Cristo; os protestantes, não. Os católicos reconhecem o Papa como líder espiritual e acreditam nos sete sacramentos como instrumento para sua salvação; os protestantes creem que somente a fé em Jesus é capaz de salvá-los. Católicos interpretam o livro do Gênesis, que narra a história de Adão e Eva, como uma metáfora; alguns protestantes o interpretam literalmente e defendem o ensino do criacionismo na escola.

Mas há diferenças significativas também entre as Igrejas Protestantes históricas (Batistas, Luteranos, Presbiterianos, Metodistas e outras) e as Pentecostais (conhecidas no Brasil como evangélicas). A principal delas é a de que os pentecostais acreditam que o Espírito Santo continua a se manifestar nos dias de hoje, por meio das práticas de curas milagrosas, profecias e exorcismos, entre outras. 

Há diferenças substanciais também entre o Pentecostalismo Clássico (Assembleia de Deus, Congregações Cristãs, Deus é Amor e outras) e o Movimento Neo-Pentecostal (Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Renascer em Cristo e outras). A primeira delas é visível: os pentecostais clássicos se vestem com roupas bastante formais por imposição das Igrejas: homens de terno; mulheres de saias longas e cabelos compridos. Outros usos e costumes rígidos normalmente são impostos aos fiéis, como por exemplo, não assistir à TV e não praticar esportes e, para as mulheres, não se depilar ou usar anticonceptivos. O conservadorismo é a tônica da doutrina pentecostal clássica, que se baseia no ascetismo e no sectarismo. Já os neo-pentecostais são bem mais liberais, não se vestem de forma determinada e têm como principal foco a Teologia da Prosperidade, que propugna que os fiéis têm o direito de desfrutar uma vida terrena com saúde e riquezas materiais. Para tanto, precisam demonstrar sua devoção a Deus doando suas economias de modo a se tornarem credores de Deus em uma dívida que será paga com a concessão das dádivas divinas. O sacrifício ascético do corpo é substituído por um sacrifício econômico em honra de Deus.

Finalmente, os neo-pentecostais têm uma divergência inconciliável com os espíritas. Ambos creem em manifestações sobrenaturais na vida cotidiana. Os espíritas acreditam na reencarnação e creem que estas manifestações são causadas por espíritos de pessoas comuns que faleceram e ainda não reencarnaram. Já os neo-pentecostais não acreditam em reencarnação e nem na possibilidade de os mortos se comunicarem com os vivos. Para eles, estes espíritos são na verdade manifestações do demônio e, portanto, precisam ser combatidos. Daí o motivo de tanta hostilidade entre evangélicos e espíritas: enquanto estes creem na possibilidade de conversar com os espíritos de parentes e amigos já falecidos, aqueles os acusam de conversar com demônios.

Neste contexto fervilhante de crenças, nada mais natural que se retomem as discussões sobre a importância do Estado laico. Enquanto o Brasil era um país com população quase que exclusivamente católica, a maioria simplesmente impunha suas crenças sobre a minoria que, de tão pequena, não levantava sua voz para lutar pelo Estado laico. 

Basta ver os crucifixos afixados nas paredes dos tribunais e órgãos públicos brasileiros. Se até então o símbolo do predomínio católico em nossos tribunais só incomodava à pequena minoria não-cristã da população, atualmente muitos protestantes já se insurgem contra ele. Infelizmente, em 2007, o Conselho Nacional de Justiça decidiu que os crucifixos nos tribunais não violam o princípio constitucional da laicidade, por se tratar de um costume já arraigado na tradição brasileira. Com este simplório argumento, os conselheiros do CNJ justificariam até mesmo a escravatura que, quando foi abolida em 1888, ainda era costume no Brasil. Se costume fosse fundamento jurídico para justificar o próprio costume, as mulheres ainda teriam que se casar virgens, não haveria o divórcio e o adultério ainda seria crime. Fato é que tribunais e órgãos públicos são mantidos com dinheiro público e não devem expressar as crenças pessoais de seus dirigentes. Os crucifixos não são, pois, apenas um símbolo do predomínio católico, mas antes de tudo de uma apropriação privada da coisa pública para a manifestação de crenças pessoais.

Ensino religioso nas escolas públicas

A questão atualmente mais polêmica que decorre do princípio constitucional da laicidade é a do ensino religioso, de matrícula facultativa, nas escolas públicas, previsto expressamente no art.210, §1º, da Constituição Brasileira.

O Acordo Brasil-Vaticano (Decreto 7.107/10) que em seu art.11, §1º, prevê “o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas” provocou imediata reação da sociedade civil ao colocar em risco a igualdade de tratamento entre as religiões. A constitucionalidade do dispositivo está sendo contestada atualmente no Supremo Tribunal Federal (ADI 4.439) pela Procuradoria-Geral da República, que defende corretamente que o ensino religioso no Brasil deva ser não-confessional, limitando-se, pois a um apanhado teórico da diversidade de religiões existentes em nosso país.

Melhor seria, porém, que o Estado deixasse cada família decidir sobre a melhor formação religiosa de seus filhos, matriculando-os em cursos fornecidos pelas próprias Igrejas e outras instituições religiosas. Uma emenda constitucional que abolisse o ensino religioso nas escolas públicas resolveria de vez a controvérsia relegando a formação religiosa para a esfera exclusivamente privada.

A meta do Estado laico

O Estado laico ainda é uma meta a ser perseguida pelo Direito brasileiro. Se na questão dos crucifixos e do ensino religioso, a manifestação de cristãos não-católicos tem sido decisiva para colocar em pauta os debates, as violações do princípio da laicidade tendem a ser menosprezadas quando há consenso entre católicos e protestantes.

Veja-se, por exemplo, o art.79, §1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que prevê que “a Bíblia Sagrada deverá ficar, durante todo o tempo da sessão, sobre a mesa, à disposição de quem dela quiser fazer uso”. Se o Estado é de fato laico e a religião não deve ser fundamento da elaboração das leis, qual sentido há neste dispositivo? Se o deputado é cristão, que compre sua própria Bíblia e a leve consigo.

O nome do deus monoteísta tem sido usado sem maiores pudores na esfera pública, sob o argumento de que contemplaria todas as religiões. Alega-se que o preâmbulo da Constituição de 1988 se refere expressamente à “proteção de Deus” e, portanto, o ateísmo estaria excluído da liberdade de crença. Trata-se de um falso fundamento jurídico, já que o preâmbulo, por sua própria definição, é o texto que antecede a norma e, portanto, não faz parte dela. Em suma: não tem qualquer valor normativo.

A liberdade constitucional de crença é também uma liberdade de descrença, e ateus e agnósticos também são cidadãos brasileiros que devem ter seus direitos constitucionais respeitados. O mesmo se diga em relação aos politeístas, que acreditam em vários deuses e não aceitam a ideia de um deus onipotente, onisciente e onipresente.

Um bom exemplo do uso do nome de Deus com violação do princípio da laicidade é a expressão “Deus seja louvado” no dinheiro brasileiro. Como não incomoda à maioria da população, acaba sendo negligenciada em detrimento dos direitos constitucionais dos ateus, agnósticos e politeístas, que ainda não são bem representados no Brasil. Já se vê, porém, algumas destas expressões riscadas à caneta nas notas brasileiras, o que é uma clara manifestação de descontentamento com o desrespeito à descrença alheia.

O paradoxal desta menção de Deus no dinheiro brasileiro é que a Bíblia narra (Mateus: 22, 21) uma passagem na qual Jesus rechaça uma tentativa de uso político de seus ensinamentos e reconhece a importância do Estado laico, referindo-se justamente à moeda romana: “Dai o que é de César a César, e o que é de Deus, a Deus”. Das duas, uma: ou o Deus cristão mudou de ideia nestes últimos dois mil anos ou seus representantes na Terra andam excedendo os limites da procuração por Ele outorgada.

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ESTADO LAICO E SUAS IMPLICAÇÕES NOS DIREITOS HUMANOS E NA CIDADANIA

Andréa Moreira Lima
Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia Social pela UFMG, Professora na graduação e pós-graduação da UNA e da FEAD e Ex-Coordenadora Municipal de Direitos Humanos/PBH.

A diversidade humana está presente nas diferentes culturas fazendo parte da própria constituição de cada pessoa. O reconhecimento desta diversidade propicia a legitimidade das subjetividades que irão construir novos discursos e novas práticas na reinvenção de novas formas de convivência humana. Para a construção de uma cultura efetivamente inclusiva, é preciso repensar os valores hegemônicos que norteiam uma sociedade para poucos. É necessário também debater os critérios de que nos valemos para avaliar e classificar as pessoas e suas atitudes. A constituição de um sujeito-cidadão autônomo requer sua inserção e convívio com princípios e valores democráticos. Daí a importância de um modelo de Estado Laico para a efetivação dos direitos humanos e da cidadania. Ou seja, o respeito às diferentes formas de religiosidade, de liberdades de expressão e de crença, como fundamentais para a vida social.

Ao longo de toda história da humanidade tivemos marcos de construção formais desses direitos, tais como a Revolução Inglesa de 1689, a Revolução Francesa e a Revolução Americana de 1789, a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, bem como tratados, convenções, pactos e conferências realizadas pela ONU e demais instituições de direitos humanos presentes em diferentes países. Além da história teórica, jurídica e formal dos direitos humanos, há também as práticas e discursos que se constroem diariamente por diferentes pessoas e organizações como formas de tradução de experiências e vivências que lutam pela igualdade e justiça social. Isto permite que os direitos humanos se tornem instrumentos mediadores dos direitos e deveres de cada indivíduo na sociedade.

As correlações de força e poder presentes na relação entre a sociedade civil e o Estado, seja como adversários ou apoiadores, na construção das políticas voltadas para minorias sociais, têm se materializado na diversidade de atores sociais envolvidos na cena pública. Com relação às lutas LGBTs, no Brasil, encontra-se um parlamento muito influenciado por segmentos religiosos de base fundamentalista. A abertura para uma rede social LGBT com o poder público tem se dado muito mais no campo do poder judiciário e executivo. Destaque aos atos públicos, como a realização das Paradas LGBT e seus impactos sociais, às jurisprudências e políticas locais de atendimento ao público LGBT, bem como a recente aprovação, pelo Supremo Tribunal Federal, do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

É preciso esclarecer que um Estado Laico não é um Estado antirreligioso, mas sim um Estado em que as políticas públicas e as leis são destinadas e criadas para todos, desvinculadas de religiões específicas. Para isso, o Estado não pode apoiar nem se opor a nenhuma religião, mas propiciar igualdade de direitos, independentemente das escolhas religiosas, e sem priorizar certas religiões em detrimento de outras. Esse paradigma difere do Estado teocrático, no qual há apenas uma única religião oficialmente legítima, como é o caso do Vaticano (Religião Católica) e do Irã (Religião Islâmica). O Estado Laico, também chamado de Estado secular, deve garantir a liberdade religiosa de cada cidadão, deste modo não pode aceitar que nenhuma religião específica interfira em questões políticas. Entretanto, Estado Laico não significa que ele seja um Estado Ateu, pois ele reconhece tanto o direito à descrença religiosa quanto o direito a religiosidade. Ser um Estado laico significa ter uma atitude crítica que separe a interferência das religiões nas decisões públicas do Estado e vice-versa[1].

Apesar dos avanços alcançados no campo dos direitos humanos, inclusive com o reconhecimento do Estado Laico pelos segmentos religiosos progressistas, vivemos hoje no Brasil uma ameaça das correntes fundamentalistas aos princípios democráticos estruturantes de nossa Constituição Federal de 1988. Vários fatos ocorridos na atualidade[2] nos faz perceber o quanto que os espaços políticos de direitos humanos estão cada vez mais fragilizados. Há reincididas interferências de setores conservadores para a não efetivação de políticas públicas para as pessoas LGBTs. Como exemplo, o veto pela Presidente da República ao kit anti-homofobia, em maio de 2011 e a retirada do ar de campanhas de prevenção a DST-Aids destinadas a jovens gays, entre outros. A não efetivação da laicidade do Estado tem possibilitado uma reconfiguração do lugar dos religiosos fundamentalistas na política, que inclui disputas por poder e hegemonia no campo religioso, interesses políticos partidários em coligações para campanhas e abertura de espaços na mídia hegemônica conservadora.

Assim, por mais que seja percebido um gradativo fortalecimento da perspectiva sócio-histórica e crítica dos direitos humanos, percebe-se também a permanência de pespectivas naturalistas-cristãs perpassando o discurso dos direitos. Esse fato ocorre numa lógica de que direitos humanos são para humanos “direitos”, ou seja, àqueles identificados a elite dominante.

O campo dos direitos humanos deve se configurar como um horizonte de igualdade social, uma utopia ativa que busca universalizar direitos para todos. Daí a importância de compreender que a discordância frente às diferenças do outro não deve conduzir a uma eliminação radical deste, mas a renegociações constantes das formas de sua presença. A vida em sociedade requer a coexistência de alguns valores universais em comum. Porém, o universal não deve ter uma representação fixa, pois diferentes grupos competem entre si para dar temporariamente a seus particularismos uma função de representação universal. Este paradoxo entre os direitos humanos ditos universais e particulares não pode ser resolvido, já que sua irresolubilidade é que garante a democracia[3].

Enfim, o Estado Laico adquire um caráter crítico quando ocupa o lugar de fazer traduções de experiências particulares, entre o que elas se aproximam e se distanciam nas suas necessidades para a garantia da dignidade humana. Os direitos humanos promovidos pelo Estado, a partir das suas leis e políticas públicas, poderão abarcar melhor as complexidades dos grupos e indivíduos e intervir de forma mais eficaz sobre eles, por meio de uma noção de universalidade contextualizada. Torna-se, então, imprescindível a legitimidade dos debates, dos conflitos e das demandas sociais para o alargamento das possibilidades dos direitos humanos serem universalizados garantindo um Estado mais pluralista e democrático.



[1] RÉMOND, R. Religion and Society. U.S.A.: Blackwell Publishers, 1999.
[2] LIMA, A.M. Política sexual: entre o univesal e o particular, os direitos humanos LGBT em Belo Horizonte e Lisboa. Tese de Doutorado. BeLo Horizonte: UFMG, 2013.
[3] LACLAU, E. Emancipação e Diferença. Rio de Janeiro: EdUERJ., 2011.

         
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                                                    CIDADANIA SEXUAL E LAICIDADE

Roberto Arriada Lorea
Juiz de Direito no Rio Grande do Sul desde 1991, Doutor em Antropologia Social (UFRGS) e Coordenador do Núcleo de Estudos em Direito e Religião, na Escola Superior da Magistratura.
http://www.sertao.ufg.br/uploads/16/original_Tese_Roberto_Lorea.pdf

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HISTÓRIA DA LAICIDADE BRASILEIRA DESDE O IMPÉRIO ATÉ OS DIAS ATUAIS (Link)
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/SexualidadSaludySociedad/article/view/383/822

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Por que Estado laico interessa mais aos cristãos que aos ateus

Autor: Hélio Schwartsman, da  Folha

O assunto é menor, mas tem elevado valor simbólico. Nesta semana, a Justiça gaúcha determinou a retirada dos crucifixos de todas as suas dependências. Como bom ateu, sou favorável à medida. Entendo, porém, que alguns cristãos se sintam frustrados. Vou tentar mostrar que a laicidade do Estado interessa mais a eles do que a mim.

Um dos argumentos mais populares entre os defensores da permanência da cruz é o de que a maioria da população é cristã. Bem, a maior parte dos brasileiros também é flamenguista ou corintiana. A ninguém, contudo, ocorreria ornar os tribunais com bandeiras e flâmulas desses clubes. Maiorias não bastam para definir a decoração de paredes públicas.

De resto, nem todos os cristãos são entusiastas do crucifixo. Algumas denominações protestantes o consideram um caso acabado de idolatria, pecado cuja prática meus ancestrais judeus costumavam punir com o apedrejamento até a morte.

A vontade da maior parte dos cidadãos é, por certo, um elemento importante da democracia, mas não é absoluto nem incondicional. Um país só é democrático quando defende suas minorias da tirania das massas.

E o direito de todos a espaços públicos livres de proselitismo religioso deveria ser autoevidente. Ao contrário do que muitos podem pensar, isso importa mais para o crente membro de grupo ou seita minoritários do que para ateus e agnósticos.

Nós que não acreditamos num ser superior ou que julgam essa uma questão indecidível, tendemos a considerar imagens religiosas como uma manifestação supersticiosa, uma excentricidade, no máximo. Já um judeu ou muçulmano praticantes podem ver na figura do Cristo crucificado um símbolo de opressão e morte. Não se pode dizer que não tenham razões históricas para pensar assim.

Exceto para os apreciadores de teocracias de partido único, a laicidade do Estado é a melhor garantia da liberdade religiosa.


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Religião e Política - uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTS no Brasil
29. May. 2013

Autora: Christina Vital e Paulo Victor Leite Lopes - Fundação Heinrich Böll & Instituto de Estudos da Religião (ISER)

A publicação disponível para download é resultado de um convite da Fundação Heinrich Böll Brasil ao ISER, no intuito de analisar a importância dos atores religiosos no cenário político nacional a partir das estratégias articuladas por lideranças evangélicas, ligadas ou não a vida político-partidária no Brasil.

Para a realização do estudo, foram escolhidos dois episódios recentes que tiveram repercussão nacional. O primeiro foi o tratamento do aborto na campanha presidencial de 2010. O segundo, o caso do “Kit anti-homofobia” ou “Kit Gay”, isto é, do material educativo, parte do Programa Escola Sem Homofobia, criado pelo Ministério da Educação e destinado ao combate à homofobia nas escolas públicas. Esse Kit faz parte de uma política pública voltada para a cidadania de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) no Brasil.

O livro, escrito por Christina Vital e Paulo Victor Leite Lopes, reflete sobre a presença de religiosos no espaço público atual, com ênfase na atuação dos evangélicos na mídia e na política, apresentando uma compreensão de quem são os evangélicos no Brasil e analisando a heterogeneidade desses atores.


A publicação conta ainda com uma análise dos argumentos utilizados pelos políticos evangélicos para justificar sua contrariedade à ampliação dos direitos da população LGBT e de mulheres e dos mecanismos utilizados pelos religiosos para atuar no campo político nacional. Outra questão abordada pelo livro é o lugar dos evangélicos como porta-vozes de valores culturais construídos entre preceitos religiosos cristãos e noções humanistas e republicanas.



O livro traz ainda artigos de dois juizes. Roberto Lorea, juiz de direito e doutor em Antropologia Social, que analisa a laicidade do Estado e o conjunto de orientações que interferem na ação dos magistrados no Brasil contemporâneo. O outro artigo é assinado por Roger Raupp Rios, juiz de direito e doutor em direito público, que desenvolve uma análise do conteúdo da laicidade no ordenamento jurídico brasileiro e sua relação com os direitos fundamentais.


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MAPA DO FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO NO CONGRESSO NACIONAL

http://www.cfemea.org.br/images/stories/noticias/mapa_fundamentalismo_cn_1956x908.gif 
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                    SOBRE A ENQUETE PARA A ELABORAÇÃO DO ESTATUTO DA FAMÍLIA

Benjamin Bee

A enquete não tem valor estatístico, mas tem valor publicitário. É nisto que reside sua importância.
Não dar importância e valor aos espaços de divulgação do preconceito e da discriminação é omissão que se não esbarra na cumplicidade fomenta a indústria da homotransfobia. Indústria com industriais de ambos os lados, tanto do lado fundamentalista neo pentecostal como do lado LGBT. Quando falo em industriais, falo dos líderes que, de alguma forma, auferem ganhos com as ações ou com a inércia.
As duas entrevistas a que assisti com o relator do PL 6583 foram abertas com loas à enquete e seu resultado que dava larguíssima vantagem do "Sim" sobre o "Não". Um claro "aproach" para desfilar argumentos falaciosos com cunho de verdade, porque fundamentado em uma enquete sobre a qual o público que o ouvia não tinha, como não tem, a menor ideia do que está por trás das intenções da página da Câmara. A enquete está com números quase seis vezes o número da enquete mais votada no mesmo site desde sempre.
Está claro que o PL 6583 é apenas um pretexto para dar visibilidade ao deputado Ronaldo Fonseca e à Comissão Especial (fundamentalista por formação) que analisa o tema. Visibilidade que querem conquistar com a provocação à comunidade LGBT e seus direitos que, provocada, levantaria a polêmica. Sem a CDHM, essa foi a estratégia adotada para chegar à mídia às vésperas das eleições. E vão conseguir o intento porque nos chamaram para o embate, que no início da enquete já havia sido ingenuamente aceito pela comunidade LGBT, quando chegamos a ter maioria de votos. Depois, quando a comunidade LGBT se achava vencedora, paramos de votar e eles continuaram abrindo então uma vantagem te tal ordem que recuperar a posição é muito difícil, mas não impossível.
A questão, então, que se coloca, é de visibilidade nossa contra a propaganda deles.
O site da Câmara não é um jornal de fundo de quintal. Não é de grande repercussão, mas é tido como confiável pelo público leigo. E é baseado nesse senso comum que os fundamentalistas irão se utilizar da enquete para dar visibilidade ao Estatuto da Família, aprová-lo na Comissão Especial, que é terminativa. Isto é, a sua decisão não passa pelo plenário, vai direto à sanção da Presidência. A menos que algum dos deputados levante assinaturas (salvo erro são 54 delas) para um requerimento a ser aprovado em plenário e que leve o PL à votação no Congresso, o que em tempos de eleições não será nada fácil conseguir. Sobraria, assim, para nós, apenas um recurso no STF já combalido pelos últimos acontecimentos.
Veja como a estratégia fundamentalista é de alta engenharia!
Então, o que temos a fazer?
O deputado Fonseca insiste que seu relatório deve estar sujeito ao debate pela sociedade. Mas ele sabe que a sociedade não está interessada nesse debate, como se pode ver no andamento do PL na Comissão que se movimenta aceleradamente. O deputado argumenta que o debate está a caminho e intenso, dado o número de audiências publicas, todas elas montadas, obviamente, para favorecer a tese fundamentalista sobre a família heteroparental. Diz ele que ninguém poderá reclamar que a sociedade não debateu o tema. É um jogo de cartas marcadas magistralmente.
Alguns setores do movimento LGBT (felizmente, não o movimento propriamente dito) acham que o melhor seria ignorar essa enquete. Eu também achava que deveria ser assim, tanto que só tomei conhecimento dela quando estava a quase 900 mil votos (!), e foi quando me dei conta do enorme significado publicitário dessa enquete, e das manobras dos fundamentalistas, inclusive usando o site da Câmara como aparelho tático.
Então – repito - o que temos a fazer?
Se não fizermos nada, eles o farão certamente. Irão divulgar que a sociedade é pelo conceito de família que está no Estatuto. A Presidência, então, não terá alternativa que sancionar o PL aprovado na Comissão Especial. Nós recorreremos ao STF que, mais uma vez, será taxado de "legislar indevidamente".
Só o que podemos fazer, uma vez que já aceitamos a declaração inicial de guerra, é ir à luta. E melhor: reverter a nossa inércia em visibilidade. Reverter a manobra do inimigo dando à comunidade LGBT mais visibilidade ainda do que aquela que os fundamentalistas pretendem alcançar. E mais: aproveitar a oportunidade para desmascarar não só a manobra espúria do site da Câmara, e com o uso do site da Câmara, bem como desconstruir o conceito de família exclusivo entre homem e mulher.
Quanto mais não fosse, o Estatuto prevê outras demandas conservadoras com políticas públicas, educacionais e direitos especiais à "família homem e mulher", e com isso a proibição da "propaganda gay" e todo um aparato contra a visibilidade e legitimidade da vida LGBT, impondo à sociedade brasileira o modelo repressor aos moldes russo e Leste Europeu, que avançam sobre todo o Oriente e África. Outros temas caros aos progressistas são alvo de ataque concreto do Estatuto da Família.
A enquete é, portanto, o ponto de partida para que a sociedade entre no debate de modo que também a grande mídia se interesse no tema e exponha, mais do que as mazelas do Estatuto, a verdade sobre as modernas e legítimas configurações de família.
Já que não há mais como apagar essa enquete, talvez poderemos apagar outras futuras que certamente virão se não reagirmos. E devemos aproveitar, se vierem novas enquetes, todas elas, para por os direitos das pessoas LGBTs e os direitos Humanos como um todo na pauta pública da nação.
Nós temos os argumentos da Verdade. Eles só têm falácias. Significa que, além de ganharmos o respeito social, ainda podemos induzi-los a reformular a sua própria ideologia heteronormativa.
Saímos do armário, ou não? Mas eles querem que o armário continue sendo ocupado. Que sejam eles a ocupá-lo. Não nós.

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                                               ACESSO AO ABORTO E LIBERDADES LAICAS

Dr. Roberto Arriada Lorea - Juiz de Direito do Rio Grande do Sul
http://www.scielo.br/pdf/ha/v12n26/a08v1226.pdf 
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Embates em torno do Estado laico - SBPC
http://portal.sbpcnet.org.br/livro/estadolaico.pdf